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06.04 – Contas Públicas – Licitação para serviços de manutenção de frota do Estado teve irregularidades

Por Toni Casagrande. Publicado em 06/04/2018 às 13:25. Atualizado em 18/07/2018 às 17:14.

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) julgou procedente a Tomada de Contas Extraordinária instaurada na Secretaria de Estado da Administração e Previdência (Seap) para apurar irregularidades no Pregão Presencial nº 44/2014 e na execução do Contrato nº 256/2015, decorrente do pregão. A licitação foi realizada para a contratação de empresa especializada no gerenciamento, controle e fornecimento de manutenção preventiva e corretiva da frota veicular do Estado do Paraná, no valor total máximo de R$ 57.763.970,00 anuais.

O TCE-PR julgou irregulares a ausência de comprovação da manifestação da Comissão de Avaliação do Sistema quanto a itens de recurso administrativo e a falta de demonstração de cálculo para estipulação em edital de valor mínimo para a taxa de administração.

Em razão da decisão, o Tribunal aplicou a Ernani Augusto Delicato, ex-diretor do Departamento de Gestão do Transporte Oficial (Deto); Maria Carmen Carneiro de Melo Albanske, então pregoeira da Seap; e Samira Célia Neme Tomita, ex-secretária em exercício da Seap, individualmente, a multa de 30 vezes o valor da Unidade Padrão Fiscal do Paraná (UPF-PR). A UPF-PR vale R$ 98,64 em abril; e a sanção corresponde a R$ 2.959,20 para pagamento neste mês. Dinorah Botto Portugal Nogara, secretária da Seap à época, recebeu duas multas nesse mesmo valor, totalizando sua sanção em R$ 5.918,40 para pagamento em abril.

Os conselheiros do TCE-PR determinaram, ainda, a inclusão dos nomes dos sancionados no rol de agentes públicos com contas julgadas irregulares; a expedição de cópia da decisão ao Ministério Público Estadual, para adoção das providências em face de eventuais atos tipificados como de improbidade administrativa, crime da lei de licitações ou falsidade ideológica; e o encaminhamento dos autos à Terceira Inspetoria de Controle Externo (3ª ICE) – unidade do TCE-PR atualmente responsável pela fiscalização da Seap -, para o acompanhamento da execução do Contrato de Prestação de Serviços nº 256/2015.

 

Comissão de Avaliação

De acordo com a 3ª ICE, a licitante Trivale Administração Ltda. interpôs recurso administrativo no qual alegou não terem sido atendidos pela empresa vencedora da licitação, JMK Serviços Ltda., itens técnicos do Termo de Referência do edital.

Ao julgar improcedente o recurso administrativo, a pregoeira informou ter solicitado a manifestação da Comissão Técnica de Avaliação do Sistema. Todavia, não há no processo da licitação quaisquer documentos que comprovem que a Comissão de Avaliação tenha se manifestado sobre o recurso; e, inclusive, três dos quatro membros dessa comissão declararam que não examinaram o recurso.

Segundo a pregoeira, o parecer teria sido anexado a um e-mail a ela enviado, que, posteriormente, teria sido apagado por insuficiência de espaço no aplicativo de correspondência oficial do Estado. Mas a Companhia de Informática do Paraná (Celepar) não comprovou a existência da mensagem mencionada.

Assim, a unidade de fiscalização considerou que houve afronta aos incisos VI e XII do artigo 38 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos), que exigem a juntada dos pareceres técnicos ou jurídicos emitidos aos autos da licitação.

Dinorah Nogara e Maria Carmen Albanske reiteraram que o exame do recurso tomou por base as respostas enviadas pela Comissão de Avaliação; e que não houve violação ao artigo 38 da Lei nº 8.666/93, já que o dispositivo diria respeito apenas à fase interna do procedimento licitatório e não à fase recursal. Elas alegaram, ainda, que a instrução e a decisão do recurso caberiam apenas à pregoeira e à autoridade superior, tendo a comissão mera função de apoio.

O relator originário do processo, conselheiro Ivens Linhares, afirmou que se o parecer da comissão criada especificamente para este fim é indispensável para a avaliação inicial do sistema, é razoável que essa comissão também seja ouvida na hipótese de interposição de recurso administrativo em relação aos tópicos relativos ao sistema por ela avaliado. Ele acrescentou, ainda, que se o fundamento determinante da decisão foi a suposta análise da comissão, a ausência do seu parecer deve resultar na anulação da decisão, por vício de motivação.

Linhares lembrou que o artigo 38 da Lei nº 8.666/93 trata dos documentos que devem ser juntados aos autos do processo administrativo como um todo, sem fazer qualquer distinção entre fase interna e externa. Inclusive, esse artigo está inserido na “Seção IV – Do Procedimento e Julgamento”, que contém normas que abrangem todas as fases da licitação; e o seu inciso VIII estabelece a necessidade de juntada aos autos dos recursos eventualmente apresentados pelos licitantes, bem como as manifestações e decisões a eles relativas.

 

Taxa de administração

A 3ª ICE afirmou que, embora o Termo de Referência do edital do Pregão Presencial nº 44/2014 vedasse a remuneração com base em qualquer forma de comissionamento, a proposta vencedora, apresentada pela empresa JMK Serviços Ltda., praticou valor irrisório de taxa de administração e complementou sua remuneração com valores cobrados das oficinas credenciadas.

A unidade de fiscalização informou que a empresa vencedora apresentou taxa de administração de R$ 8,50, reduzindo-a para R$ 0,10 na disputa por lances, o mínimo previsto pelo instrumento convocatório; e que esse valor seria irrisório, pois se refere ao atendimento de veículos e às despesas (operacionais, administrativas e fiscais) com a execução do contrato de gestão da frota em todo o Estado do Paraná.

A 3ª ICE lembrou que, no edital, o valor estimado da taxa de administração era de até R$ 1.748.444,00 anuais, mas a licitante vencedora ofertou apenas R$ 18.600,00 anuais – aproximadamente 1% do limite máximo previsto no instrumento convocatório; e que não foram apresentadas justificativas para o valor mínimo estipulado, nem demonstrada a exequibilidade do contrato com base nessa remuneração.

Assim, a unidade técnica considerou presentes indícios de que a remuneração da empresa vencedora da licitação consiste, principalmente, em verba de comissionamento, cuja previsão na proposta de preços ocasionaria sua desclassificação no pregão.

Os analistas do TCE-PR lembraram que a fórmula para aferição do melhor índice – critério de escolha do menor preço – era formada pela taxa de administração, pelo percentual de desconto sobre mão de obra e pelo percentual de desconto sobre peças. Eles consideraram que a licitante vencedora manipulou a taxa de administração para proporcionar o melhor coeficiente na fórmula, mesmo tendo ofertado descontos menores nos demais itens em comparação aos preços ofertados pelos demais licitantes.

Os indícios de comissionamento seriam confirmados por um e-mail recebido de oficina interessada no credenciamento, em que se insurgia contra a cobrança, pela empresa JMK Serviços Ltda., de taxa de adesão de R$ 190,00, taxa de 6% de administração para fornecimento de peças e taxa de 4% de administração sobre serviços.

Linhares afirmou que houve ofensa ao princípio da motivação os atos administrativos, previsto no artigo 2º da Lei nº 9.784/1999, relativamente ao valor mínimo estipulado em edital; ao artigo 40, X, da Lei nº 8.666/1993, que veda o estabelecimento de limite mínimo de preço em instrumento convocatório; ao artigo 48, II, dessa mesma lei, que determina a desclassificação de propostas com preços manifestamente inexequíveis; ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, previsto nos artigos 41 e 55, XI, também da Lei Geral de Licitações; às cláusulas 7.3 e 8.12 do Contrato; e ao Anexo I do edital.

Em sua defesa, Dinorah Nogara e Maria Carmen Albanske afirmaram que os valores de referência aplicados foram justificados na fase interna do pregão, conforme o item “Memória de Cálculo e Justificativas” do Termo de Referência. Elas alegaram, também, que os serviços estão sendo prestados de forma constante e de acordo com o Termo de Referência e o contrato; e destacaram, ainda, que a contratada não recebe qualquer forma de comissionamento da administração pública, que não pode interferir no relacionamento empresarial privado entre a JMK e as credenciadas.

Por sua vez, a empresa JMK Serviços Ltda. expôs que, além da taxa de administração, o prestador de serviços também é remunerado pela rede credenciada das oficinas que efetuam os serviços de manutenção preventiva e corretiva, mas não é comissionado.

A 3ª ICE concluiu que a obtenção de receitas por meio de comissionamento onera indevidamente o contrato, com o intuito de obter remuneração complementar, em razão da insuficiência da taxa de administração para cobrir os custos operacionais e o lucro.

No mesmo sentido, a Coordenadoria de Fiscalização Estadual (Cofie) manifestou o entendimento de que as defesas não demonstraram a existência de justificativa para a fixação do valor de R$ 0,10 como limite mínimo aceitável para a taxa de administração, tendo a adoção do comissionamento comprovado a inexequibilidade do contrato neste valor.

A unidade técnica ainda ressaltou que a vedação do comissionamento havia sido efetuada em busca de economicidade, para evitar a perda da qualidade dos serviços e o sobrepreço nos valores de mão de obra e peças.

O relator originário do processo afirmou que a cobrança de comissão viola os princípios da moralidade e da legalidade, pois se trata de preço não declarado; da isonomia entre os licitantes, visto que uma parcela da composição dos preços não é conhecida dos demais; e da seleção da proposta mais vantajosa, por não garantir que serão contratados os menores preços.

Linhares lembrou que nenhum dos documentos do processo foi capaz de demonstrar a realização de estudo que justificasse o valor mínimo fixado em edital a título de taxa de administração, o que levou à aceitação de uma proposta de remuneração cuja manifesta inexequibilidade foi confirmada pela complementação com comissões vedadas pelo edital.

Portanto, o conselheiro considerou que houve ofensa ao artigo 2º da Lei nº 9.784/1999, por ausência de motivação do ato administrativo; ao artigo 40, X, da Lei nº 8.666/1993, que veda o estabelecimento de limite mínimo de preço em instrumento convocatório; e ao artigo 48, II, da mesma lei, que determina a fixação em edital de condições que permitam desclassificar propostas com preços manifestamente inexequíveis.

 

Decisão

O voto vencedor no julgamento do processo foi do conselheiro Fernando Guimarães, quem concordou que a fixação de valor tão exíguo (R$ 0,10) para a prestação de serviço complexo deveria ser devidamente justificada. Ele considerou, contudo, que as consequências pela não adoção de tal medida pela administração não podem ser infligidas ao vencedor do certame, que foi o licitante com maior habilidade para desenvolver estratégia para a competição a partir das regras estatuídas.

Guimarães ressaltou que, evidentemente, é impossível à JMK executar o objeto da licitação apenas com os valores advindos da taxa de administração, sendo necessária a realização de pagamentos pelas empresas junto a ela credenciadas, a título de taxa de credenciamento e de comissão sobre os trabalhos efetuados. Mas destacou que tal procedimento não configura ofensa à vedação de comissionamento, uma vez que tal impedimento diz respeito apenas ao conteúdo da oferta comercial realizada ao contratante, sendo que a forma como as credenciadas remunerariam a contratada não estava prevista no edital.

Assim, ele afirmou não acreditar que se trate de condição ilegal, desde que a administração tenha pagado o preço de mercado.

O relator do voto vencedor ainda lembrou que existem critérios para verificação dos custos – tabelas de preço de peças e serviços – e nada foi evidenciado como irregular na forma como os serviços são prestados. Além disso, ele ressaltou que a economicidade pode ser vista de diferentes modos, de forma que a comissão não torna, por si só, o contrato danoso.

Os conselheiros aprovaram, por maioria absoluta, o voto vencedor, na sessão do Tribunal Pleno de 25 de janeiro; e aplicaram aos responsáveis as sanções previstas nos artigos 85 e 87 da Lei Complementar nº 113/2005 (a Lei Orgânica do TCE-PR). Os prazos para recursos passaram a contar a partir do primeiro dia útil seguinte à publicação do Acórdão nº 97/18 – Tribunal Pleno, na edição nº 1.793 do Diário Eletrônico do TCE-PR, veiculada em 27 de março.