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SÉRIE FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA – “Brasil terá um legado importante”, destaca Benedito Braga sobre o Fórum Mundial da Água

Por Comunicação. Publicado em 05/04/2017 às 20:21. Atualizado em 18/07/2018 às 18:53.

O atual presidente do Conselho Mundial da Água, principal organismo internacional relacionado ao tema, é brasileiro. Benedito Braga concilia o cargo de liderar representantes de mais de 30 países com o comando da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo. A experiência de Braga na área é vasta. O episódio mais marcante talvez tenha sido lidar com a maior crise hídrica da história de São Paulo, ocorrida em 2015. Na entrevista especial, ele fala sobre as principais lições aprendidas nestes períodos mais nebulosos, as otimista ele acredita que o Fórum Mundial da Água irá deixar um legado importante para o Brasil.

Web Rádio Água – Como ocorreu essa escolha pelo Brasil em sediar o Fórum Mundial da Água em 2018 e qual a importância deste momento para o País?
Benedito Braga – O Fórum Mundial da Água é o evento mais importante sobre o tema no mundo. Ele acontece a cada três anos e tem trazido o interesse cada vez maior de inúmeros atores do sistemas de recursos hídricos, incluindo tanto a sociedade civil organizada e as universidades, como a classe política de altíssimo nível (como chefes de estado, ministros de estado, senadores e outros parlamentares) que tem elevado o tema da Água ao mais alto nível político. É um evento de grande densidade, que atrai um número muito grande de interessados. Só para você ter uma ideia, no último Fórum na Coreia do Sul (2015) tivemos mais de 40 mil visitantes e mais de 18 mil participantes diretos nas sessões nos workshops e palestras. Ou seja, é um evento de grande densidade técnica e de grande densidade política. Por que o Brasil? O Brasil tem se destacado na área da gestão de recursos hídricos. É um país que tem implementado uma gestão participativa com os comitês de bacia hidrográfica, em que governo e sociedade se unem para deliberar sobre como gerir os recursos hídricos nas bacias hidrográficas, e tem instituições muito sólidas nos diferentes níveis de governo para tratar da questão hídrica. Então eu acho, que em função dessa densidade do nosso país em torno do tema da Água, de nós termos importantes bacias transfronteiriças (a Amazônica e a do Prata) e detentores de 12% da água doce do mundo há uma série fatores que orientaram a decisão dos governadores do Conselho Mundial da Água na escolha de Brasília/Brasil para hospedarem o próximo Fórum.

WRA – Na sua visão, quais ainda são os maiores desafios do Brasil e de outros países do mundo em relação aos recursos hídricos?
BG – Eu acho que a segurança hídrica é um tema fundamental quando nós entendemos o desafio das mudanças climáticas. Em função dessa maior variabilidade do clima (hoje nós já temos uma variabilidade importante, mas os cientistas estão sugerindo de que no futuro vamos ter mais secas e enchentes intensas), nós precisamos ter maior segurança hídrica. O que significa isso? Significa ter mais infraestrutura, reservatórios que possam servir de buffer (armazenamento) para diminuir essa dependência apenas da vazão dos rios, e uma governança adequada no sentido de que essa água seja utilizada de forma eficiente e eficaz para os diferentes usos. Então isso é um tema central que une a preocupação dos governantes com a mudança climática e o impacto disso na sociedade. Além disso, nós temos a questão do acesso à água potável e ao saneamento por todos os habitantes do nosso planeta. Temos regiões do mundo onde essa questão é complicada, sem acesso à água e ao saneamento, e isso tem um impacto na saúde pública. E ligando tudo isso nós temos a questão do financiamento. Temos que achar meios de financiar essas infraestruturas e esses sistemas de governança dos recursos hídricos. Portanto isso tem que entrar na agenda política para que dentro das prioridades os governos coloquem a Água, a Segurança Hídrica e o Saneamento.”

WRA – Recentemente o Brasil passou por uma crise hídrica histórica no Sudeste, que o senhor, inclusive, acompanhou de perto como secretário de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo. Em sua visão, quais foram as lições aprendidas após este momento tão complicado? 
BG – A lição é de que a Água é importante mesmo. Quando você passa por uma crise e se vê na eminência de não ter esse recurso vital disponível 24 horas por dia, as pessoas comuns na rua e os políticos nos mais altos níveis de governo passam a entender que é importante investir na segurança hídrica, que eu mencionei anteriormente. Então a lição que fica é de que nós não podemos deixar para a última hora esses investimentos no aumento da nossa segurança hídrica em face da mudança climática. A população, por outro lado, aprendeu que pode viver com muito menos litros de água por dia. É possível economizar água e ter uma vida normal. A lição que fica é que é possível usar a água eficientemente e é possível reduzir o desperdício. A nossa Região Metropolitana de São Paulo nunca experimentou uma situação tão complexa quanto a de 2014 e 2015. Aqui as pessoas usavam as famosas ‘vassouras hidráulicas’, quando utilizavam uma mangueira para lavar as calçadas. Esse comportamento deixou de existir por aqui. As pessoas já não estão desperdiçando água da forma como faziam antes. Então essa é uma lição muito importante que é o do uso eficiente da água e da importância de se investir na infraestrutura hídrica – nos reservatórios e nas adutoras – para que a gente não venha a sofrer problemas no futuro.

WRA- Como o Brasil está se preparando para o Fórum Mundial da Água?
BG – Nós já tivemos o lançamento do Fórum que foi um evento de grande sucesso. Em geral nesse lançamento nós temos 100, 200, 300 pessoas para discutir entre os diferentes atores que trabalham nesse sistema como vai ser o programa temático. Aqui no Brasil nós tivemos mais de 700 participantes nesse primeiro, que foi um mini-fórum, um evento preparatório para discutir tecnicamente. Teve um grande interesse. Agora em abril nós vamos ter o segundo encontro dos interessados no Fórum. As instituições vão organizar tópicos e sessões. Nós temos tido eventos em diferentes parte do mundo. Nas Américas, tivemos eventos acontecendo no Chile. Além disso, eventos preparatórios serão realizados na África, na Ásia, em que vamos levantar questões, problemas regionais e soluções para estes problemas.

WRA – Durante a programação do Fórum Mundial da Água serão apresentados alguns exemplos de boas práticas bem sucedidas em todo o mundo. Quais países vêm se destacando no tema? O Brasil também tem o que ensinar?
BG – Nós vamos ter experiencias exitosas de países de todo o mundo evidentemente. Não só as exitosas, mas também aquelas que tiveram problemas para que as outras pessoas não cometam os erros que alguns já cometeram. O Brasil tem sim um exemplo muito importante como é o caso de São Paulo, de como é que nós conseguimos vencer uma crise do tamanho da que se apresentou em 2014 e 2015. Além disso, temos o (Programa) Córrego Limpo, que é uma parceria entre a companhia de saneamento (SABESP) e o município. Iremos trazer prefeitos do mundo inteiro que certamente trarão muito mais experiências em outros países. A França tem a experiência das agências de bacia hidrográfica que serviram de exemplo para os comitês de bacia hidrográfica que o Brasil desenvolveu também. Marrocos, pouca gente sabe, mas tem uma segurança hídrica invejável, que poderá trazer uma experiência muito interessante para o nosso Nordeste e Semiárido. Então é um evento que vai possibilitar essa troca de experiências, e o Brasil traz o tema da sustentabilidade como um tema importantíssimo nessa discussão. Sustentabilidade que não fica só no âmbito do meio ambiente, mas que traz questões sociais, econômicas e de uso mais eficiente dos recursos naturais. Fazer essa discussão com diferentes regiões do mundo vai possibilitar certamente um avanço para o nosso sistema de recursos hídricos também. O Brasil vai ter um legado muito importante após esse Fórum.