Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná

SÉRIE FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA – Qualidade da Água: “Precisamos fazer com que as informações cheguem à sociedade”, destaca coordenador da ANA

Por Comunicação. Publicado em 25/04/2017 às 20:18. Atualizado em 18/07/2018 às 18:53.

Com dimensões continentais, o Brasil abriga abriga aproximadamente 12% de toda a água doce existente no mundo. Porém, para garantir a qualidade destes recursos, além da conscientização popular, são necessários instrumentos que auxiliem no monitoramento, que ainda não ocorre de maneira uniforme no País.
Na entrevista especial, Célio Bartole Pereira, coordenador de Qualidade de Água e Enquadramento da Agência Nacional de Águas (ANA), além de explicar como é desenvolvido este tipo de trabalho no País, conta como a ANA vem trabalhando no processo de recuperação do Rio Doce, afetado criticamente após o rompimento da barragem de Mariana (MG). Você sabe o que é e como funciona o enquadramento de corpos d’água? Célio explica na entrevista especial.

Web Rádio Água – Em linhas gerais, como é realizado o monitoramento da qualidade de nossas águas e quais são os principais desafios encontrados por este setor?
Célio Bartole Pereira – Esse monitoramento de qualidade de água é feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) em parceria com os estados (com os órgãos estaduais responsáveis pela gestão dos recursos hídricos, e em algumas situações específicas com órgãos gestores de meio ambiente). Esse nível de informação de monitoramento varia de estado para estado. Temos uma maior ocorrência de pontos de monitoramento nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, com algumas estações de monitoramento nos estados da região Centro-Oeste e poucos pontos de monitoramento da água na região Norte. É importante entendermos que esses dados de qualidade de água disponível para análise não são uniformes para o País. Então, devemos ficar atentos a esta questão. Em relação à gestão da qualidade das águas, temos como um dos principais desafios a questão do tratamento dos esgotos das cidades. Quando nós nos debruçamos sobre os dados do monitoramento da qualidade da água, identificamos que cerca de 5% a 10% dos pontos de qualidade da água monitorados demonstram qualidade ruim ou péssima. Quando nos debruçamos especificamente sobre os pontos de monitoramento que estão localizados nas áreas urbanizadas esse número sobe significativamente para entorno de 20% a 25% dos dados indicando uma qualidade da água ruim ou péssima. Isso demonstra a importância de trabalharmos nessa questão do tratamento dos esgotos e fica bem nítido a influência dessa carga proveniente dos esgotos urbanos na contaminação dos corpos d’água.

WRA – Quais são as principais causas de poluição das nossas águas atualmente?
CBP – Temos uma série de fontes poluidoras difusas. Qualquer atividade humana, mas o uso agrícola por exemplo é uma fonte poluidora se não for objeto de manejo bem adequado. Os agroquímicos ou fertilizantes que são utilizados na prática agrícola podem alcançar o corpo hídrico e isso, junto com essa carga dos esgotos pode comprometer ainda mais a qualidade da água. E isso enxergamos muito claramente quando nós nos debruçamos sobre os dados de monitoramento dos reservatórios. Nós temos uma quantidade muito grande de reservatórios com a qualidade da água comprometida, com presença de algas, com níveis alarmantes da eutrofização do manancial, e muitos desses reservatórios são utilizados para o abastecimento e precisamos estar atentos à qualidade da água desses corpos hídricos.

WRA – Como a Agência Nacional de Águas (ANA) vem tratando esta questão?
CBP – Temos um programa, denominado QUALIÁGUA, que vem trabalhando junto aos estados para que possamos garantir uma maior uniformidade nesse monitoramento em toda a nossa extensão territorial, em todos os estados, com uma padronização desse monitoramento, estabelecendo um conjunto mínimo de parâmetros com ações de apoio com equipamentos para monitoramento, capacitação para o uso desses equipamentos, ações de intercalibração, ou seja, garantir que os diversos estados utilizem procedimentos padronizados que me permitam fazer análises comparativas. Hoje cada estado atua de forma isolada, independente, sem essa padronização, e para que consigamos entender e fazer essas avaliações comparativas é importante que tenhamos essa padronização, e que também possamos ter estes dados de todo o País para a divulgação para a sociedade. No fim das contas, isso é o que importa: fazer com que essas informações sobre qualidade de água chegue à sociedade.

WRA – Na sua visão, as piores situações relacionadas à qualidade da água se devem mais a problemas de infraestrutura ou a população também não tem contribuído positivamente?
CBP – Nós temos aí as duas situações. É claro que devemos reconhecer os esforços que têm sido feitos em termos de investimento, por exemplo, na área de saneamento básico, mas esses investimentos muitas vezes não refletem na melhoria da qualidade da água imediatamente. Na questão da infraestrutura, você constrói um sistema coletivo de tratamento de esgoto, mas se as pessoas não fizerem suas ligações à essa rede de esgoto, esse esgoto não será coletado e não será encaminhado para o tratamento adequado, e não terá o abatimento dessa carga que chega nos corpos hídricos. Ou seja, temos um pouquinho de cada coisa. Claro que precisamos melhorar muito a nossa capacidade de gestão desses investimentos, mas é importante que toda sociedade se conscientize tanto para cobrar as ações, mas também após elas implementadas que faça a sua parte e contribua.

WRA – Após o rompimento da barragem em Mariana (MG), como a ANA tem trabalhado na recuperação do Rio Doce?
CBP – Esse trabalho de recuperação é um trabalho conjunto, que envolve diversos organismos de governo, a sociedade local e órgãos de fiscalização (temos Ministério Público atuando próximo) e uma série de ações que foram elencadas num termo de ajustamento de conduta que foi realizado com o empreendedor responsável pela barragem. Temos uma série de ações que estão sendo executadas, desde recuperação de áreas que foram atingidas com o plantio de árvores até ações de dragagem e ações de monitoramento e acompanhamento. Nós temos um conjunto muito extenso de ações voltadas para a recuperação e garantia da segurança no uso da água na Bacia do Rio Doce. Do ponto de vista da Agência Nacional de Águas (ANA), o que temos acompanhado e atuado é com relação aos usos que foram impactados e em como garantir a segurança desses usos e identificar as ações de recuperação. Temos atuado junto com as prefeituras locais e operadores locais para identificar alternativas de abastecimento, como eu garanto que a população vai poder continuar tendo abastecimento de água segura. Foram estudadas alternativas para essas fontes de abastecimento para que se garantisse esse uso da água naqueles municípios. Alguns municípios vão se valer do uso da água subterrânea, outros municípios foram buscar alternativas de abastecimento em outros mananciais (como os afluentes do Rio Doce e trechos não impactados) e isso a ANA vem acompanhando essa ação de implementação. Além dessas ações, que ou estamos à frente ou acompanhando em parceria com outros órgãos, nós também estamos junto com os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, e Ibama, atuando no acompanhamento e implementação de um programa de monitoramento da qualidade das águas e sedimentos do Rio Doce. Um trabalho que é mais amplo que o enfoque apenas da qualidade da água para os usos humanos (até por isso o Ibama também tem uma atuação forte). Temos uma coordenação que atua nessa questão do monitoramento da qualidade das águas e que tem participado ativamente de todas as discussões desse programa, que já está para ser implementado, e irá exigir um monitoramento com uma frequência mais curta, com uma atenção muito especial, sem prejuízos dos pontos de monitoramento que já existem e são operados pelos órgãos de monitoramento de recursos hídricos. É um monitoramento adicional.

WRA – O que é o enquadramento de corpos d’água e qual a importância desse instrumento?
CBP – O enquadramento dos corpos d’água em classes de uso é um instrumento extremamente importante de planejamento extremamente importante que permite definir ações a serem implementadas e prazos a serem cumpridos para que se possa alcançar metas de qualidade de água que te permitam garantir esses usos. Por exemplo: eu tenho um trecho de rio que passa dentro de uma Unidade de Conservação. Pela nossa legislação se ela for de uma Unidade de Conservação de uso integral, ele vai requerer uma qualidade de água muito elevada para que ela consiga manter a condição natural dele. Se tem um trecho de rio que aquela água vai ser alocada para o abastecimento humano, eu tenho um outro requisito de qualidade de água, uma outra necessidade de qualidade de água, que vai depender do processo de tratamento que tem ali. Por outro lado, existem alguns trechos de rios, que não tem nenhum uso identificado. Não tenho uma captação para irrigação ou não tenho uma captação para abastecimento. Então nesses casos, eu identifico uma outra classe de uso. Essas classes de uso, que se revertem em limites de qualidade de água requeridos, vão se traduzir no enquadramento dos corpos d’água. Quando eu falo de enquadramento de corpo hídrico, vou definir para o meu futuro que qualidade da água que eu preciso ter para atender aos usos previstos naquela região ou trecho de rio. Quando nós dizemos que ele é uma ferramenta de planejamento é porque eu preciso de fazer investimentos, tratar os esgotos, fazer uma recuperação de mata ciliar, e outras diversas ações para conseguir alcançar essa meta de qualidade de água. E isso precisa ser debatido para saber, com clareza, como isso vai evoluir progressivamente. E esse debate para definição dessas metas geralmente é feito no âmbito dos comitês de bacia.