Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná

SÉRIE FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA – Ranking do Saneamento Básico: últimos 5 anos não foram suficientes para tirar o Brasil do atraso histórico

Por Comunicação. Publicado em 25/04/2017 às 20:21. Atualizado em 18/07/2018 às 18:53.

Lançado desde 2009 pelo Instituto Trata Brasil, o Ranking do Saneamento Básico das 100 maiores cidades brasileiras tem como objetivo chamar atenção para os preocupantes indicadores do setor. A pesquisa utiliza como base os dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, e avalia a evolução dos indicadores de água, esgotos, investimentos e perdas de água nas maiores cidades e com foco nas capitais nacionais.
A edição publicada em 2017 aponta que o País pouco evoluiu nos últimos 5 anos. Os dados nacionais de saneamento mostram que 50,3% da população tem acesso à coleta dos esgotos, mas somente 42% dos esgotos são tratados. Em termos dos indicadores mais críticos, 24 capitais não tratam mais de 80% dos seus esgotos (somente Brasília 82% e Curitiba 91%), e as grandes cidades do Norte ocupam as últimas colocações do Ranking do Saneamento com números bem abaixo da média nacional na maioria dos indicadores.
Édison Carlos, presidente do Trata Brasil, comentou os resultados apontados no novo Ranking de Saneamento e cobrou maior participação da sociedade no requerimento por ações de implementação efetiva das diretrizes determinadas no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).

WRA – De acordo com o lançamento ranking do saneamento das 100 maiores cidades do País de 2017, o que evoluiu no Brasil nos últimos 5 anos?
Édison Carlos – “Nós fazemos esse estudo desde 2009 então dá para ter uma ideia bem clara do avanço que o sanamento tem tido desde essa época. A Lei [11.445/07 – Lei Federal do Saneamento Básico] é de 2007 então foi bem importante pra gente caminhar alguma coisa nos últimos anos. Mas o que o estudo aponta é que o avanço tem sido pequeno em comparação com o que o Brasil precisa. O Brasil tem metade da população ainda para ser atendida com coleta de esgoto. Então é um indicador que avançou, mas avançou pouco se nós quisermos alcançar as metas do governo federal que é de resolver o problema em 20 anos. Isso está no Plano Nacional de Saneamento que foi promulgado em 2013 e que pretende em duas décadas universalizar os serviços de água e esgoto. Acompanhando esses indicadores dessas 100 maiores cidades a gente vê que realmente não conseguiremos cumprir com esse prazo se não mudar rapidamente o avanço. O estudo aponta isso. Mesmo as capitais não têm conseguido puxar os indicadores, uma vez que são as maiores cidades e investem mais em saneamento.”

WRA – Quais os desafios enfrentados pelos municípios para implantação e manutenção de um sistema de saneamento eficiente?
EC – “O Brasil está correndo atrás de um atraso histórico. O Brasil ficou décadas sem investir em saneamento a não ser no Paraná, em São Paulo e Minas Gerais foram os três Estados que continuaram investindo mesmo nos períodos que o Brasil investiu pouco. Houve um descaso mesmo no Brasil em relação aos esgotos. As grandes empresas investiram em água, levar água para as pessoas, a parte de esgoto ficou para trás. Esse déficit gigante foi causado por uma falta de atenção das nossas autoridades, e isso, hoje em dia demora para resolver. Como as cidades estão construídas, fazer esses sistemas hoje é mais caro e mais demorado pois tem que quebrar a cidade muitas vezes para passar as redes, construir as estações de tratamento… Então, a primeira coisa é que precisa ser o foco número um dos municípios. A Lei do Saneamento colocou a responsabilidade na mão dos municípios, mesmo que sejam operados por uma empresa estadual, como é o caso da Sanepar (Paraná) e da Sabesp, em São Paulo. Mas os prefeitos são titulares perante a Lei, então cabe a eles lutarem para que esses indicadores avancem mais rápido. Coisa que nós vemos pouco. É pouco o envolvimento por parte dos prefeitos. Nesse momento de escassez de recursos financeiros – tanto no município, estado e governo federal – a tendência é isso ficar mais longe, por que mesmo nos períodos onde o País teve mais recursos, que foi de 2008 até 2014, o avanço foi pequeno. Então a gente teme pelo momento atual onde os recursos são poucos. Então, primeiramente tem que ser foco dos prefeitos. Depois, os governadores atuarem mais melhorando a qualidade e a quantidade dos serviços das empresas estaduais que operam a maior parte dos municípios brasileiros. Em terceiro lugar, o governo federal garantir recursos a longo prazo e cobrar que as cidades façam a sua parte, entregando seus Planos Municipais de Saneamento, coisas que são obrigações previstas na Lei.”

WRA – O que é possível destacar sobre os 10 municípios com melhor posição no ranking? E os piores?
EC – “Se pegarmos as 20 melhores cidades, a característica principal delas é que elas investem há muitos anos em saneamento e isso melhora de um ano para o outro. Então, mesmo que você quiser concertar todo o problema no ano, não dá. São obras demoradas, são obras caras que precisam planejamento. Essas cidades estão bem por que elas estão fazendo isso há muitos anos, aí começa a sentir uma melhoria. Se pegarmos Franca, Uberlândia, Santos, Limeira, Curitiba, cidades do Paraná como Londrina, Maringá… são cidades que vêm investindo há bastante tempo. Não tem bola de cristal. É investir a longo prazo, independente de quem seja o prefeito, de partido político esteja dominando o município e que empresa que opere. Todas essas cidades têm essas características: investimento à longo prazo independente da questão política. Se você pega as 10 últimas, é o inverso. Não tem tido investimentos há muito tempo. São cidades do norte, nordeste, da Baixada Fluminense, no Rio. São cidades que não investem há muito tempo e isso só piora com o tempo. São cidades que estão a muitos anos nas mesmas condições. Se pegarmos os levantamentos dos últimos anos a gente vê que elas estão paradas. E aí, quando você compara os indicadores de doenças das dez melhores e as dez piores, temos números absurdamente diferentes. Coisas de dez vezes mais doenças em uma cidade sem saneamento em relação a uma cidade com saneamento. Não é só uma questão de recurso e obra, é uma questão de saúde pública. O saneamento está diretamente ligado à saúde pública. Se você investe em saneamento você poupa recursos em saúde pública. Isso é uma outra característica entre as dez melhores e as dez piores: as melhores sempre têm indicadores de saúde melhores.”

WRA – O Brasil ainda tem mais de 34 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e apenas 42% dos esgotos recebem tratamento. Como esse cenário influencia no acarretamento de doenças relacionadas ao saneamento inadequado?
EC – “O que mais traz (doenças) é a falta de coleta de esgoto. Mesmo nas cidades que têm 100% da água tratada, se a cidade não tem coleta de esgoto, têm-se o surto de doenças do mesmo jeito. Precisa-se progredir em todos os indicadores, não só água tratada, levar água pra essas 34 milhões de pessoas, mas levar coleta para essas 100 milhões que não têm. Têm-se um contato muito próximo da pessoa com essa água poluída que conduz doenças para a cidade toda. É um poderoso transmissor de doenças, a água suja. Tão importante quanto levar água para todos é levar o esgoto também, a coleta e o tratamento. Isso que nos deixa muito preocupado. As doenças tradicionalmente ligadas à falta de saneamento são as doenças gastrointestinais, principalmente diarreia, hepatite A, verminoses, dermatite – problemas de pele -, esquistosomose – que é a doença do caramujo, leptospirose – que é da urina de ratos que vivem nesses ambientes insalubres -, e mais recentemente, as doenças do Aedes Aegypti que se aproveitam do ambiente degradado, com água poluída e colocam seus ovos ampliando a transmissão de doenças. Então, além das doenças que tradicionalmente associadas a falta de saneamento, tem outras que vêm chegando, como é o caso do mosquito que se aproveitam de um País pouco preparado com saneamento, como o Brasil está.”

WRA – Qual seria a solução ideal para a questão do saneamento de qualidade para o Brasil, levando em consideração não só os grandes centros mas também os pequenos municípios?
EC – “Todo mundo tem uma lição de casa para fazer. Primeiramente o próprio cidadão entender o que está acontecendo e cobrar providências. Tudo nasce de uma participação mais ativa do cidadão e isso é pouco visto ainda mesmo em comunidades muito vulneráveis a gente vê pouco essa discussão de falta de saneamento e cobrar providências. Então começa dos cidadãos se envolverem mais no tema. Depois, os prefeitos também têm que ter um foco em saneamento, quer dizer, ajudar a resolver e cobrar o avanço dos indicadores, uma vez que ele é titular do saneamento e o Governo Federal com esses recursos a longo prazo. Mas ultimamente há uma maior participação do setor privado também. O setor privado vem se aproximando mais do saneamento, agora tem esse planejamento do governo Federal junto ao BNDES de fazer parceria com as empresas estaduais e isso é uma grande oportunidade também porque as empresas estaduais são responsáveis pelo atendimento de 70% da população. É muita gente. Precisa que as empresas estaduais sejam mais eficientes e aí a participação do setor privado pode ajudar bastante. O setor privado é um fator novo que pode ajudar bastante para que esses prazos sejam reduzidos.

WRA – Comente sobra a importância da elaboração do “Ranking do Saneamento das 100 Maiores Cidades”
EC – “O Estudo serve primeiro para alertar as pessoas do que está acontecendo onde elas moram, esse é o principal objetivo. Nessas cem cidades moram 40% da população brasileira. É bastante gente e esperamos que essas pessoa tomem conhecimento e cobrem soluções. Depois, é também uma maneria das cidades competirem entre si. A medida que elas percebem que ao fazer qualquer movimento elas melhoram a posição no ranking e também puxar a orelha de quem está lá embaixo da tabela que não melhora nada. Essa informação negativa faz com que a população fique mais atenta e cobre mais rapidamente dos seus governantes. O primeiro objetivo do Estudo é estimular as cidades a melhorarem rapidamente, mas também chamar atenção das autoridades para que façam um pouco mais do que têm feito até agora.”