Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná

SÉRIE FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA – Sistema Plantio Direto: proteção do solo e dos recursos hídricos

Por Comunicação. Publicado em 25/04/2017 às 20:26. Atualizado em 18/07/2018 às 18:53.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa sobre Políticas Alimentares Internacionais (IFPRI, em inglês), o Brasil possui cerca de 30 milhões de hectares utilizando o Sistema Plantio Direto (pouco menos de 50% de toda a área plantada no território), garantindo ao País a segunda colocação mundial. O destaque fica por conta do Paraná, estado pioneiro no uso do método, com mais de 90% da área de plantio das culturas de verão utilizando a técnica.
O plantio direto foi importado dos Estados Unidos, nos anos 70, e adaptado para as necessidades dos produtores brasileiros.
De acordo com 1º secretário da Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação (FEBRAPDP), Ricardo Ralisch, o Sistema Plantio Direto evoluiu muito desde sua implantação no Brasil. O especialista ressalta que o método precisou ser adequado aos diferentes tipos de solos do País, além de incluir mudanças específicas para a agricultura familiar.

Web Rádio Água – Qual a importância do Plantio Direto na preservação e conservação dos recursos hídricos?
Ricardo Ralisch – “O Sistema Plantio Direto foi concebido para conservar o solo, pensando em controle de erosão e etc. Depois ele evoluiu bastante, por que além de conservar solo, ele conserva os outros recursos naturais também. Pensando em rotações de cultura e proteção da superfície do solo e o não preparo do solo, além de ajudar no controle da erosão, tem o sequestro de carbono da atmosfera – ajuda na mitigação do efeito estufa. E com relação à água, diria que é um aspecto bem importante: desde que o Sistema seja bem adotado, consegue preservar a capacidade de infiltração de água no solo. Acaba tendo um efeito na erosão também. Pensando no aspecto da água, com isso, reduz-se bastante o escorrimento superficial. Então quando chove, a água que não consegue se infiltrar no solo – o que se chama de escorrimento superficial – vai escorrer pela superfície e vai chegar num lago, num rio e etc. Quanto mais essa água infiltrar no solo, melhor pra preservação da água e dos recursos hídricos, por que isso vai alimentar a água subterrânea, vai chegar nos rios, nas nascentes, nos lagos e etc… mas vai levar um tempo maior, vai realimentar as águas subterrâneas, os lençóis freáticos, vai passar por uma, vamos chamar assim, depuração pelo próprio solo. O solo ele tem, em função das suas características químico-físicas, acaba sendo um filtro a essa água. É o que acaba acontecendo em um sistema natural quando a gente tem uma vegetação nativa, uma floresta e etc… tem esse comportamento. Aí um sistema de produção – uma agricultura, uma agropecuária –, reduz isso muito. Essa capacidade de filtração. E aí tem a erosão, contaminação das águas superficiais. Quando a gente adota um Sistema Plantio Direto bem-feito, entre outros benefícios, tem esse beneficio de proteção dos recursos hídricos.”

WRA – O plantio direto chegou ao Brasil, importado dos Estados Unidos, em meados dos anos 70. O que mudou desde então?
RR – “A gente pode pensar – isso na década 60, 70 –, a intensificação da atividade agropecuária trouxe a erosão no rastro. Temos que lembrar que o sistema de produção brasileiro foi incorporado – e a tecnologia que foi importada – adotou o preparo do solo intensivo como se fazia na Europa, como se fez nos Estados Unidos por muito tempo. Bom, com isso o solo ficou muito vulnerável à erosão. Nós convivemos com uma erosão muito forte na década de 60 e 70, na década de 80. E aí, uma das alternativas que se buscava era mudar o sistema de produção, o preparo do solo. É importante a gente frisar que houve algumas iniciativas para tentar introduzir o plantio direto, pra se estudar o plantio direto, já na década de 60. Vou citar uma – por que foram diversas –, mas eu vou citar uma pra não deixar passar em branco: que foi a busca da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Ela importou uma semeadora Americana – uma Bufalo – para começar a fazer os estudos do plantio direto como se fazia nos Estados Unidos, pensando na possibilidade de adotar aqui já com um nível de conservação do solo. Mas não deu certo, a coisa não foi pra frente. Houve algumas dificuldades, que não vem ao caso. Finalmente, o que nos consideramos como entrada do plantio direto no Brasil é em 1972. Um agricultor – ele é catarinense mas a propriedade dele é no Paraná – em Rolândia, Herbert Bartz. Ele importou uma semeadora Americana – uma Allis Chalmer. Ele visitou um agricultor, pioneiro do plantio direto nos Estados Unidos, e importou a mesma máquina que ele usava lá – uma Allis Chalmer, e falou: “a partir de agora eu vou fazer tudo em plantio direto aqui na minha propriedade”. Foi ai, em 72, ele fez 180 hectares de soja naquela ocasião. De lá pra cá nunca mais preparou o solo. Como é uma área grande e contínua, é isso que a gente considera como um início do plantio direto. Mas evoluiu muito, os estudos vieram na sequência. Na verdade, em seguida veio muita descrença nisso, muita dificuldade, mas também vieram estudos, análises e experimentos que foram feitos nesta área e em outras áreas que começaram a adotar também. Então o conceito foi ampliando bastante. Hoje a gente chama que o tripé do Sistema de Plantio Direto – que é o não preparo do solo, então o não preparo do solo nasceu já no início. Então é a concepção inicial. O segundo pilar do tripé que é a cobertura do solo, já foi uma concepção assim, vamos chamar, técnico científica. Se constatou que se mantivesse o solo coberto, além de não preparar o solo, a cobertura do solo era importante pra proteger o solo do impacto da chuva, da insolação etc, e já se percebia os benefícios. O terceiro tripé ele se consolidou nos anos 2000. O terceiro tripé é justamente a rotação de cultura. Foi este tripé que deu o grande salto no Sistema Plantio Direto como ele foi concebido no Brasil. A rotação de cultura além de todos os benefícios de consolidar o Sistema Plantio Direto, ele sim faz a reciclagem dos nutrientes em função das diferentes culturas, dos diferentes sistemas cabiculares que melhoram as características físicas do solo, que conseguem preservar, aí até aumentar a matéria orgânica do solo, que consegue reciclar nutrientes. Ele é chave no Sistema, foi isso que se percebeu. A gente coloca isso pra ter uma didática nos anos 2000, mas veio evoluindo. Então a partir dessa constatação, que nós chamamos de Sistema Plantio Direto, por que precisa ser um sistema de produção, precisa ter rotação de cultura, precisa ter uma análise bem-feita das técnicas e práticas utilizadas pelos agricultores. Então ele tem uma complexidade que é natural pra que ele seja bem-feito. Bom, esta concepção de Sistema Plantio Direto – que foi uma concepção brasileira – uma evolução da técnica do plantio direto, baseado no “No Till” (do inglês. Plantio direto, em tradução literal) – que é a concepção americana, ela foi a base do conceito atual, promovido pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) – que é o organismo da ONU da agricultura e alimentos – que chama de agricultura conservacionista. Se nós olharmos o conceito de agricultura conservacionista que a FAO propõe é justamente o tripé: não preparar o solo ou preparar minimamente o solo, manter o solo permanentemente coberto e promover rotação de cultura.
Tem um outro aspecto histórico do desenvolvimento Sistema Plantio Direto que eu gostaria de citar que é sempre muito emblemático e é bem no contexto brasileiro: que foi a adaptação do Sistema Plantio Direto quando ele vinha evoluindo lá nas décadas de 70, 80 e 90, pras condições da agricultura familiar. Ele nasceu em um contexto de agricultura motomecanizada com trator e etc… e chegou em um determinado momento que se percebeu que a agricultura familiar não estava conseguindo incorporar os avanços dessa tecnologia por que ela não atuava com esses equipamentos. O que precisou ser feito? Precisou conceber equipamentos, semeadoras, etc… para agricultura familiar, para tração animal, para viabilizar o plantio direto. Foi a maior revolução social que nós tivemos no Brasil foi a introdução do Sistema Plantio Direto em pequenas propriedades da agricultura familiar, principalmente na região sul do Brasil. Isso não é muito quantificado, mas eu estou falando numa convicção própria dessa revolução social que houve. Isso foi uma coisa muito importante e talvez nós devêssemos quantificar isso melhor para exemplificar. Hoje nós falamos da adequação do Sistema Plantio Direto concebido no Brasil em outras regiões do mundo que são tipicamente de agricultura familiar, tipicamente de tração animal, como a África, por exemplo. E nós passamos por essa necessidade de adaptar. Adaptar a técnica, os equipamentos, as alternativas de rotação de cultura, de operações de lavoura propriamente dito e adaptar todas essas técnicas aos hábitos das pessoas. A gente não pode esquecer que temos que considerar culturalmente quais são os hábitos das pessoas, valorizar um pouco isso – que é um projeto que estou envolvido particularmente e me agrada muito – que é a adaptação do Sistema Plantio direto para o Senegal, por exemplo, e tem sido muito interessante essa discussão de como considerar os valores que já existem nas pessoas e como a gente pode aproveitar esses valores para evoluir um sistema de produção em cima de uma concepção de Sistema Plantio Direto adequado.”

WRA – Qual o modelo ideal de plantio direto?
RR – “Bom, uma técnica ou modelo depende muito. Primeiro, do que é a atividade agrícola que nós estamos falando. Para cada atividade agrícola existe uma recomendação, uma concepção do Sistema Plantio Direto. Ele nasceu para grãos. Para essa situação ele está muito bem concebido e consolidado. Mas hoje a gente vem adaptando conceitualmente o Sistema Plantio Direto para outras atividades agropecuárias. Para frutas, hortaliças, culturas perenes de uma forma geral, para o café já se fala muito, pra pasto, para integração lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-floresta, uma adaptação do conceito para essas diferentes realidades que é uma coisa importante. Não está tudo resolvido ainda, tem muita coisa para ser resolvida. Eu vou citar um exemplo: a cana-de-açúcar a gente vem discutindo muito isso. A gente sempre tem um entrave conceitual, até que ponto é plantio direto, até que ponto não é na cana em função de algumas características da implantação da cana, por exemplo. Hoje nós já temos uma concepção do plantio direto na cana, mas nós temos que trabalhar em outras concepções que ainda não estão definidas, por exemplo, para a mandioca. Como a gente trabalha a concepção de Sistema Plantio Direto para mandioca onde há uma mobilização grande do solo pra fazer a colheira da mandioca? E assim nós temos outras situações que são semelhantes. E o que nós estamos visando? Voltando ao exemplo da mandioca, que parece mais visível para o ouvinte, o que nós estamos discutindo? É o conceito da mínima mobilização do solo. Então, o que nós estamos trabalhando hoje é quanto, de fato, precisa mexer no solo para colher a mandioca. Nós temos que achar o mínimo possível. E aí desenvolver equipamentos pra isso, desenvolver técnicas pra isso. Então essa é, vamos chamar assim, uma fronteira conceitual tecnológica do Sistema Plantio Direto. A outra é adequar o que a gente conhece de Sistema Plantio direto consolidado para as diferentes características de solo e de clima. Por que diferentes características de solo e de clima exigem técnicas e soluções diferentes.”