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20.04 – Contas Públicas – TCE-PR reconhece inconstitucionalidade de dispositivos de leis do Município da Lapa

Por Toni Casagrande. Publicado em 20/04/2018 às 13:14. Atualizado em 18/07/2018 às 17:12.

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 2665/11 do Município da Lapa (Região Metropolitana de Curitiba), que admite a incorporação da gratificação por Tempo Integral e Dedicação Exclusiva (Tide) aos vencimentos dos servidores; e da interpretação dos dispositivos contidos nas leis municipais nº 2.183/08 (artigo 58, parágrafo 2º), nº 2.280/08 (artigo 78, parágrafo único) e nº 2.665/11 (artigo 1º, parágrafo 2º) que vem sendo dada pelo município, a qual permite a incorporação integral dessa gratificação aos proventos de aposentadoria dos servidores inativos.

O Tribunal reconheceu, também, a inconstitucionalidade do artigo 104 da Lei n° 2.280/08, que, ao tratar da concessão da gratificação, deixa ao gestor municipal a possibilidade de fixar a verba em percentual variável entre 10% e 100% do valor do vencimento base do servidor.

Os conselheiros determinaram que os chefes dos poderes Legislativo e Executivo da Lapa revejam a legislação de pessoal do município, no prazo de 90 dias, em relação à previsão de concessão e incorporação de vantagens pecuniárias cuja contraprestação por parte dos servidores não esteja bem demonstrada e cujos valores não estejam fixados de forma objetiva, sob pena de indeferimento de certidão liberatória e abertura de tomada de contas extraordinária; e que se abstenham de conceder aos servidores municipais vantagens pecuniárias em ofensa à Constituição da República.

Além disso, foram determinados o encaminhamento dos autos à Coordenaria Geral de Fiscalização (CGF) do TCE-PR, para que, juntamente com a direção do Tribunal, adote providências para deflagrar procedimento específico destinado à avaliação da higidez do regime remuneratório do Município da Lapa; e o envio de comunicação à Procuradoria-Geral de Justiça.

Finalmente, o Tribunal determinou o afastamento da aplicação do dispositivo e da interpretação inconstitucionais nos processos submetidos à corte. A decisão foi tomada no julgamento de incidente de inconstitucionalidade instaurado a partir da proposta do auditor Thiago Barbosa Cordeiro.

O Instituto de Previdência dos Servidores da Lapa, ao defender a constitucionalidade das normas municipais questionadas, sustentou que a regulamentação municipal que permite a incorporação integral da verba por Tide ao cálculo dos proventos de aposentadoria está em perfeita consonância com o entendimento das cortes superiores do País e com o disposto no Acórdão nº 3155/14 – Tribunal Pleno do TCE-PR.

O instituto afirmou, ainda, que a Lei Municipal nº 2.665/11 baseou-se no princípio da estabilidade financeira para transformar a verba por Tide em vantagem pessoal, incorporando-a definitivamente ao patrimônio jurídico do servidor após determinado período de tempo.

A Coordenadoria de Fiscalização de Atos de Pessoal (Cofap) concluiu que a Lei Municipal nº 2.665/2011, ao admitir a incorporação integral da verba aos proventos de inativação, afronta o princípio contributivo, consagrado pelo artigo 40 da Constituição Federal (CF/88). A unidade técnica apontou, também, a inconstitucionalidade do artigo 104 da Lei Municipal nº 2.280/2008 que, ao tratar da concessão da gratificação, possibilita ao gestor municipal a fixação da verba em percentual que varia de 10% e 100% do valor do vencimento base, em afronta ao disposto no artigo 37, inciso X, da CF/88.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) manifestou-se pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo da lei municipal que prevê a incorporação integral da verba transitória aos proventos de inativação; e propôs representação à Procuradoria-Geral de Justiça.

 

Gratificação transitória

O relator do processo, conselheiro Fernando Guimarães, destacou a natureza transitória da gratificação por Tide, regulamentada nos artigos 104 a 109 da Lei Municipal nº 2280/08, cujo pagamento deve ser deferido por ato específico do chefe de Poder (prefeito ou presidente da câmara), a quem cabe estabelecer qual o percentual da gratificação sobre o valor do vencimento base do servidor.

Ele frisou que a legislação municipal não estabelece critérios objetivos – condições ou incumbências dos servidores – para justificar a concessão da gratificação; e não fixa o valor ou o percentual sobre a remuneração padrão do cargo do servidor agraciado. Inclusive, o artigo 108 da Lei Municipal nº 2280/08 permite que a verba por Tide seja concedida a servidores ocupantes exclusivamente de cargos em comissão.

Guimarães ressaltou que as gratificações têm natureza transitória, pois elas são concedidas aos servidores em razão de condições excepcionais de prestação de serviço comum ou de situações individuais do servidor, que podem ser revistas e revertidas a qualquer tempo.

O conselheiro afirmou que, no Município da Lapa, a verba por Tide é incorporada aos vencimentos do servidor ativo que a receber por seis anos consecutivos ou dez intercalados, permitindo a incorporação de gratificação de natureza transitória à remuneração do servidor em caráter definitivo.

O relator lembrou que o artigo 39 da CF/88 dispõe que o sistema remuneratório para os ocupantes de cargos, funções e empregos públicos deve ser estabelecido a partir da instituição de planos de carreira para os servidores. Portanto, em atendimento ao princípio da isonomia (artigo 5º da CF/88), os vencimentos dos servidores da mesma carreira somente poderiam ser diferenciados durante o exercício de funções ou situações particulares que os desigualem, com o pagamento de adicionais, gratificações e verbas indenizatórias previstos em lei.

Guimarães também fez remissão ao artigo 37 da CF/88, que estabelece a necessidade de lei específica para fixar ou majorar o valor dos vencimentos, tanto o padrão quanto as vantagens transitórias. Assim, ele sustentou que o aumento perene de vencimentos decorre de lei, não de ato administrativo, e é concedido em caráter geral a todos os servidores do quadro, em idênticos percentuais ou valores para todos os integrantes de uma mesma carreira; e que, por outro lado, os servidores podem ainda ter sua remuneração transitoriamente acrescida pela concessão de adicionais e gratificações.

O conselheiro concluiu, então, que permitir a incorporação de verbas transitórias sem a manutenção da contraprestação especial que a justifique configura discriminação sem fundamentação; e, portanto, sem amparo constitucional.

Em relação à alegação da defesa, o relator destacou que o princípio da estabilidade financeira é incompatível com a atual sistemática constitucional remuneratória e previdenciária, que consagrou novos princípios em favor do servidor, como o da irredutibilidade dos vencimentos e o da contributividade.

Assim, Guimarães concluiu pela inconstitucionalidade da disposição contida no artigo 1º, § 1º, da Lei Municipal nº 2.665, que permite o aumento individual de vencimentos, sem a fixação de contraprestação diferenciada devida pelo servidor ao ente contratante, por configurar ofensa aos princípios da isonomia, da eficiência administrativa e da estrita legalidade na fixação e na alteração da remuneração dos servidores.

 

Incorporação de Tide à aposentadoria

A incorporação da gratificação por Tide aos proventos de aposentadoria está prevista no artigo 78, inciso VIII, da Lei Municipal nº 2280/08 e no artigo 58, parágrafo 2º, da Lei Municipal nº 2183/08 (Lei de Reestruturação do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município da Lapa). No entanto, apesar de essas leis serem omissas quanto à forma de incorporação, proporcional ou integral, o município tem incorporado a verba aos proventos de inativação em sua integralidade.

O relator lembrou que, a partir da inserção do princípio contributivo no artigo 40 da CF/88, os benefícios previdenciários passaram a estar vinculados à efetiva contribuição do segurado ao respectivo regime de previdência. E que o Acórdão nº 3.155/14 – Tribunal Pleno do TCE-PR, que revisou o Prejulgado nº 7 da corte, sedimentou o entendimento de que verbas transitórias ou eventuais não devem ser incorporadas aos proventos de aposentadoria sem a observância do princípio contributivo.

Guimarães considerou que, já que as leis não determinam a incorporação integral das verbas transitórias aos proventos de aposentadoria dos servidores inativados com fundamento nas Emendas Constitucionais nº 41/03 e nº 47/05, elas não precisam ser retiradas do mundo jurídico, pois ainda podem ser interpretadas conforme o texto constitucional, o que levaria à incorporação da verba por Tide proporcionalmente ao tempo em que houve a incidência da correspondente contribuição previdenciária.

O conselheiro Ivens Linhares concordou com o posicionamento do relator e acrescentou que poderia ser declarada, desde já, a inconstitucionalidade do artigo 104 da Lei nº 2.280/08, modulando-se os efeitos da decisão para após decorridos 90 dias de seu o trânsito em julgado. Ele sugeriu a expedição das determinações que constam no acórdão da decisão.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, com o acréscimo sugerido pelo conselheiro Ivens Linhares, na sessão do Tribunal Pleno de 15 de março. Os prazos para recurso passaram a contar no primeiro dia útil seguinte à publicação do acórdão nº 578/18, em 23 de março, na edição nº 1.791 do Diário Eletrônico do TCE-PR, veiculado no portal www.tce.pr.gov.br.