Os impactos da pandemia do novo coronavírus ainda são imprevisíveis, mas a volta vai ser gradual. “Quando vier a recuperação, no final do terceiro trimestre, talvez até no início do ano que vem, teremos uma recuperação forte”, acredita o economista Ricardo Amorim. De acordo com ele, tudo vai depender de como a sociedade e os governantes lidam com a quarentena. Em entrevista exclusiva ao Portal da Aerp, o presidente da Ricam Consultoria explicou que a confiança é um fator determinante para a recuperação da economia. Confira!
Todas as empresas, até mesmo as que operam à plena carga, como as do agronegócio e setores específicos de alimentação, estão revisando custos para a tomada de decisão e planejamento. Você acredita que este novo cenário ocasionará uma reprecificação geral no Brasil?
Ricardo Amorim – Na economia tudo é determinado por uma regrinha muito simples chamada oferta e procura. No começo da pandemia, tivemos uma quebra, em alguns casos, só da parte da procura com as pessoas no isolamento social e tivemos, em vários casos, uma quebra da oferta porque a produção do serviço ou produto acabou sendo quebrada. Todo o equilíbrio que a gente tinha antes desapareceu. Isso levou a uma reprecificação mais significativa. Quanto mais caiu a demanda, mais os preços precisaram ser reajustados. A questão é que esse reajuste inicial das condições não vai se sustentar. Ele pode durar, ficar pior, mas em algum momento, necessariamente, a economia vai se recuperar. Nos setores onde o ajuste de preços não acontece e ocorreu um desequilíbrio entre a oferta e a demanda o ajuste vem por meio das vendas. A medida que a demanda for voltando a crescer, que é o que vai acontecer, uma vez que a gente tenha vencido a pandemia, irá acontecer uma pressão contrária – aumento da procura. As empresas que antes tiveram que reduzir margens nesse período muito duro, vão começar a aproveitar e reprecificar. Talvez, será preciso se preocupar com a inflação, o que agora não é uma preocupação.
Quão profundo vai ser o impacto da recessão e como será o ritmo da retomada?
Ricardo Amorim – Esse ano teremos uma contração importante da economia no Brasil. A projeção oficial do governo é que o PIB brasileiro irá encolher 4,7%. O mercado financeiro acredita que a contração vai ser maior, eles projetam uma queda maior que 5%. Temo que deva ser ainda maior do que isso. Isso porque o período de paralização da economia – por conta de uma pandemia avançada, de um sistema de saúde que não consegue tratar todo mundo – deve manter a economia paralisada por mais tempo. Inclusive, com risco de uma nova rodada de contaminação, um novo surto. O governo fez várias previsões de recuperação: V, U, W e L. O governo brasileiro aposta na recuperação em V. Ele acredita que é o mais provável – afunda rápido, mas volta rápido. O ministro Paulo Guedes afirma que a partir de julho, o Brasil deva estar nesse processo de recuperação. Tomara. Mas não me parece o mais provável. Segundo o Ministério da Economia, a segunda possibilidade é a recuperação em U, que na minha opinião é a mais provável de todas, que significa: afunda, fica lá em baixo um tempo e volta. A volta vai ser gradual, pois temos muitas pessoas não podendo trabalhar normalmente e com riscos de idas e vindas. Mas quando vier a recuperação, no final do terceiro trimestre, talvez até no inicio do ano que vem teremos uma recuperação forte. Ainda há uma terceira opção em W – afunda, começa a melhorar, piora e melhora novamente. O que causaria essa opção? Um novo surto. Estamos vendo vários países na Ásia passando por isso. A pior probabilidade é a reocupação em L, que é quando ela afunda e fica lá embaixo por anos. Acho difícil que isso aconteça. Para ela acontecer teríamos que ser incapazes, como humanidade, de encontrar uma cura ao longo dos anos. É possível, mas não me parece ter uma probabilidade elevada de ocorrer.
Quando a quarentena e o isolamento social diminuírem qual vai ser o novo cenário? As pessoas voltarão a circular e comprar normalmente? Empresas vão contratar e investir?
Ricardo Amorim – A pandemia impactou a economia de várias formas: nas cadeias de produção, no consumo e na confiança. As pessoas para gastarem têm que ter a expectativa que vão ter dinheiro no futuro. Se as pessoas estão com medo de como a economia estará no futuro, elas não gastam hoje. Vale a mesma coisa para as empresas. Se as empresas estão preocupadas com o futuro, elas começam a demitir. Um fator determinante para recuperação da economia é a recuperação da confiança. E para recuperar a confiança na economia é preciso ter sucesso no combate à pandemia. Quanto mais bem sucedidos formos em controlar a pandemia, em curá-la, menos as pessoas terão medo do futuro, do lado econômico.
Quais os impactos mais profundos que ficarão de tudo isto?
Ricardo Amorim – Momentos extremos como os que a gente vive hoje causam impactos permanentes. Quando as coisas estão mais ou menos equilibradas a gente vive um momento, quando estão desequilibradas chacoalhamos o pilar onde estamos apoiados. É o que está acontecendo. Isso tem várias consequências. Várias delas são apenas acelerações de tendências que já aconteciam. Estamos tendo uma aceleração do movimento antiglobalização. Esse movimento começou um pouco antes da eleição de Donald Trump, aliás ajudou ele a se eleger, foi reforçado com o Brexit e agora com o fato da pandemia ter começado na China, há um movimento muito forte anti-China e isso deve levar as cadeias de produção a se tornarem mais regionais, para evitar riscos de quebra como as que aconteceram. Outra tendência que se acelerou foi a transformação digital, por vários lados. Exemplos são: os restaurantes que não tinham serviço de delivery e hoje tem; lojas que não tinham e-commerce e hoje tem; e o crescimento de plataformas de transmissão de vídeo conferência e streaming. A telemedicina há anos não era regulamentada, finalmente foi e está sendo usada no combate ao coronavírus. Acho impronte entendermos onde todos esses eixos se encaixam e como isso impacta a nossa vida. Por exemplo, quando falamos em transformação digital muita gente entende erradamente que o digital veio para substituir o mundo físico. Eu discordo completamente. O digital é fundamental como parte da estratégia, ele não é toda a estratégia. Ele ajuda a oferecer conveniência para o cliente nesse momento especifico, mas não vai ser sempre assim. Uma vantagem do digital é a quantidade de dados que ele produz e, por consequência, o quanto você pode aprender sobre quem você serve, o seu cliente. Toda empresa deveria aproveitar esse momento para se perguntar sobre sua missão, seu propósito, e o que a move. Isso ficou mais claro para todo mundo nesse momento. É importante entender as transformações que estão acontecendo e as que estão sendo aceleradas, a partir disso desenhar uma estratégia que pode levar a resultados muito melhores daqui para frente.