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Audiência fantasma: Como funciona a indústria de likes e seguidores falsos nas plataformas de redes sociais

Por Comunicação. Publicado em 12/02/2021 às 12:52.

A ilusão da compra de likes impacta a imagem da marca e pode ocasionar a perda do perfil, confira a orientação de especialistas para não colocar sua empresa nessa roubada.

Por Germano Assad


Um time de futebol mexicano prestes a ser rebaixado, que abafa a pressão com inesperado apoio massivo de torcedores. Uma influenciadora digital de moda que quadriplica seguidores subitamente e passa a fechar contratos e angariar patrocínios. Um portal de notícias sensacionalista, que vive de política e boataria vendendo mais anúncios que veículos locais tradicionais.

Fenômenos que em tempos normais, poderiam até passar por capacidade empreendedora ou visão de nichos pouco explorados. Mas não foi o caso do trio mencionado, que escondeu até onde pôde um segredo infame sobre o próprio ‘sucesso’ repentino: a compra massiva de likes e seguidores falsos para suas plataformas de redes sociais.

Uma prática amoral, enganosa, mas que se tornou lugar comum no ambiente digital, em um cenário global de alta competitividade, crise econômica e guerra permanente de narrativas, desinformação e tensões políticas. A ponto de, em conjunto com disparos coordenados de informações falsas e ataques direcionados a pessoas e instituições, influenciar diretamente nas eleições dos EUA, e na saída do Reino Unido da União Européia (Brexit), por exemplo. 

O Brasil é centro nevrálgico deste tipo de prática, haja vista inquérito em curso, no STF (Supremo Tribunal Federal), que investiga militantes e funcionários do próprio governo federal sobre suposto abuso de práticas desta natureza, somadas a contratação de empresas por meio de caixa 2 e disparos de mensagens e posts em massa pelo que ficou conhecido como ‘gabinete do ódio’. A investigação formal se deu por meio da apuração e trabalho jornalístico da repórter Patrícia Campos Mello, que detalha toda a operação no livro “A máquina do ódio”, publicado pela Cia das Letras. 

Mundo corporativo e mercado publicitário

No mundo corporativo, os estragos da prática não tiveram um alcance tão grandioso quanto na política. Já que, pressionadas por usuários, ciberativistas, governos ao redor do mundo e, principalmente pelos próprios anunciantes, os gigantes da tecnologia detentoras das plataformas de redes sociais mais populares passaram a vigiar com mais rigor este comércio paralelo de interações digitais.

“Hoje é uma ilusão, esta compra de likes. O que adianta ter 50 mil seguidores, se nem cinco deles tem interesse real no seu produto ou serviço?” questiona Maria Nadai, social media da agência curitibana Candy Shop. Ela lembra que recentemente, o Facebook anunciou exclusão de mais de 50 milhões de perfis falsos de sua plataforma, grande parte deles, criados a partir do Brasil.

Ela entende que relações comerciais vivem de resultado e credibilidade, e, portanto são mais difíceis de serem manipuladas. Ao menos, por muito tempo. “As mídias sociais funcionam por algoritmo, são muito inteligentes. Está cada vez mais difícil enganar estes algoritmos. Se você consegue uma brecha, não consegue mantê-la por muito tempo. E quando a plataforma descobre uma fraude, os envolvidos perdem tudo, seguidores e interações compradas e também aqueles conquistados de fato, organicamente. Então é um tiro no pé, pra qualquer marca ou profissional de valor, que dependa de credibilidade”, destaca a social media.

Uma das fraudes mais comuns são as chamadas ‘fazendas de likes’. “Você cultiva curtidas em larga escala. Smartphones e outros dispositivos ficam conectados 24 horas por dia, e vão gerando compartilhamentos, curtidas em páginas aleatórias e em perfis de empresas que contratam este serviço. O intuito é enganar os sistemas de mídia online comprada, que cobram por clique”, explica.

São os banners rotativos em sites e portais espalhados pela rede, que quanto mais cliques recebem, mais se valorizam, e mais alto será o valor que um eventual anunciante terá que pagar para ocupar aquele espaço, lógica comercial chamada de custo por clique (CPC).

“As fazendas de likes, automatizadas ou não, e por incrível que pareça existem pessoas que são contratadas para clicarem ostensivamente nestes banners, acabam aumentando o custo dos espaços e gerando lucro para os portais que se beneficiam deles”, explica Nadai. “Instagram, Facebook e todas as redes estão muito mais ágeis e atentas nesse sentido, e estas páginas e perfis estão caindo cada vez mais rápido”, reforça.

Para a especialista em mídias sociais e negócios na internet Fernanda Musardo, as empresas mais tradicionais demoraram a entender a mecânica por trás da publicidade digital, e acabaram abrindo espaço para este tipo de comércio oportunista. 

“Tem muita empresa que se preocupa demais em mostrar quantidade de seguidores e acaba esquecendo a qualidade de audiência, a capacidade de retenção e conversão de seguidores em clientes, que no fundo é o que importa”.

Musardo argumenta que, quem não tem audiência real, pode até atrair anunciantes em potencial. Mas jamais vai reter ou fidelizar estes clientes, já que não será capaz de gerar resultados comerciais por meio de pretensas interações, com robôs ou pessoas pagas para ‘clicar’, e não comprar.

Influenciadores

Além de portais e sites de credibilidade duvidosa, que enxergaram no sistema de CPC oportunidade de lucros exorbitantes, as redes sociais criaram outra indústria no mercado de comunicação: os digital influencers.

Muitos influenciadores, no afã por sucesso imediato, ‘anabolizaram’ seus perfis com seguidores para alcançar patamares estabelecidos por agências que os contratam para campanhas e trabalhos de divulgação. Mas a lógica comercial que separa portais com números impressionantes e resultados pífios de veículos críveis e com credibilidade é a mesma. Os falsos geralmente vendem uma vez só. E podem gerar sérios prejuízos de imagem. 

“Para trabalhar com influenciadores, em um plano de mídia que use várias mídias e plataformas, ou mesmo em uma ação mais simples promovida por uma rádio, por exemplo, prefira sempre os que trabalham com agências, e exija o mídia kit do influenciador”, aconselha Nadai. 

Como identificar

Para ambas as profissionais, existem indícios visuais que facilitam a identificação de perfis e interações não humanas. Perfis sem foto, com nomes estranhos ao vocabulário local, sem ou com poucas publicações, sem nadaanda próximo a realidade de um ser humano (foto em família, lugares que frequenta, viagens) merecem boa dose de desconfiança. Bem como perfis com poucos seguidores, mas que seguem muitos outros.

No caso de comentários, hoje existem sistemas que geram interações automaticamente. Mas eles têm padrões, “linda”, “vc é incrível”, são sempre frases curtas, sem capacidade de gerar uma linha de raciocínio parecida com a de um ser humano.

Empresas com página repleta de seguidores e que não segue quase ninguém, ou ao contrário também são indícios, já que, via de regra, estes números são equilibrados. “Quando a página segue muita gente, em especial, é para desconfiar. Desempenho de audiência, o quanto a página tem de curtidas proporcionalmente ao número de seguidores, visualização de vídeos proporcionalmente ao número de seguidores também são métricas que geralmente separam o orgânico do comprado”, indica Musardo.