Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná

Cuidados trabalhistas no retorno às atividades presenciais

Por Comunicação. Publicado em 06/11/2020 às 11:40.

Entenda algumas das responsabilidades e direitos do empregador no retorno ao trabalho presencial, como lidar com férias vencidas, treinamento e quais benefícios manter para funcionários que seguirem no teletrabalho.

Por Germano Assad


Em um ano atípico e repleto de incertezas, que se traduziu em contenção de custos e queda de receita para grande parte dos empresários brasileiros, não há mais margem para riscos, ainda mais os previsíveis, que podem ser evitados.

Com a retomada gradual da economia e o retorno às atividades presenciais no ambiente de trabalho, é preciso muita atenção para questões específicas que têm gerado dúvidas tanto em empregadores quanto em funcionários.

É possível convocar todos os empregados de volta, a qualquer momento, mesmo os do grupo de risco? Férias vencidas vão gerar multa, mesmo para quem aderiu à medida provisória de redução de jornada e salários? Como lidar com eventuais recusas de retorno ou comportamento inconsequente diante da pandemia, dentro e fora da empresa? É preciso manter benefícios em regime de teletrabalho?

Algumas das respostas são precisas e diretas, outras nem tanto, já que dão margem para interpretações distintas. De qualquer forma, a opinião de especialistas consultados pela Aerp elucida todas elas, e pode indicar caminhos seguros para mitigação de eventuais danos e passivos.

Férias

Em teoria não há mudanças, com relação às regras estabelecidas pela CLT para férias. Mas como lembra o advogado trabalhista Dr. Leonardo Zacharias, “a Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020, autorizou as empresas a anteciparem períodos de férias dos seus empregados, e flexibilizou as regras para o banco de horas”.

Apesar do fim da vigência da MP em 19 de julho de 2020, as novas regras seguem valendo para quem aderiu à medida, que se convencionou chamar de programa de redução de jornada e salários do Governo Federal. O que fazer, então, com empresas que tiveram suspensão do contrato de emprego? O tempo de suspensão conta para o período de férias ou a adia automaticamente?

Para o juiz federal do trabalho e membro da equipe de redação da reforma trabalhista Dr. Marlos Augusto Melek, a lei não esclarece este ponto, deixando um vácuo para duas possíveis interpretações. “Existem dois caminhos a seguir, o primeiro entender que o tempo de suspensão do contrato vai empurrar o período de férias para frente, considerando que o cenário ruim extrapolou o período concessivo e a empresa seria devedora da multa das férias, que é de 100%”.

A outra interpretação possível é mais condescendente com o empregador, diante do cenário de imprevisibilidade. “Avaliar que os meses de suspensão não vão contar, então as férias seriam concedidas dentro do mesmo período, só que sem o tempo de suspensão do contrato na contabilidade do cálculo. Desta forma, a empresa não concede as férias fora do prazo e não corre o risco de pagar a multa, que é pesada”.

Para o Dr. Melek, é difícil dizer qual seria o posicionamento do judiciário em relação a esta matéria. “Particularmente entendo que é um momento novo e seguindo o conselho do ministro Luiz Fux, presidente do STF, ele deve ser tratado como uma interpretação de crise, em que se recomenda procurar sempre uma mediação para os problemas e conflitos que surgiram na pandemia. Dentro deste contexto, eu aceitaria que os dois meses não fossem

contados e adiasse a concessão das férias sem a inserção de multa, afinal ao meu sentir, isto não foi proposital, foi uma circunstância de causa maior”.

O juiz entende que um bom relacionamento com o sindicato dos trabalhadores e eventual acordo sobre como as férias serão tratadas podem garantir um processo 100% seguro, independente do caminho seguido e da interpretação feita.

Convocação e recusa ao retorno

O diálogo é sempre o melhor caminho, diz o dito popular. E só empregado e empregador conhecem as suas próprias realidades e condições, que devem ser ponderadas caso a caso. Mas, para casos mais extremos, é importante saber que é direito do empregador solicitar o retorno. “A Lei nunca proibiu o retorno destas pessoas. No Paraná não temos nenhuma legislação, normativo estadual ou federal, nenhuma lei que proíba o retorno ao trabalho por parte de pessoas que fazem parte do grupo de risco”, aponta o juiz.

O Dr. Zacharias endossa, citando o código trabalhista. “Mesmo considerando a pandemia, a legislação é clara neste sentido: o trabalhador não pode se recusar a voltar ao trabalho, sob pena de abandono de emprego e insubordinação (art. 482 da CLT)”.

É justamente esta modalidade, de insubordinação, que pode justificar uma demissão por justa causa em situações de recusa de retorno ao trabalho. Mas para tanto, é importante que o processo de notificações gradativas seja respeitado e tudo seja documentado.“O grau da penalidade pode ser de uma advertência, suspensão ou justa causa, cabe ao empregador, observado o tempo de casa, o histórico deste trabalhador e a gravidade da conduta dele em relação a empresa e prejuízo que está causando para a empresa. É papel dela[empresa] documentar muito bem as cartas, chamados e e-mails até que tome uma medida de punição ao empregado que se nega a voltar o trabalho”, explica o Dr. Melek.

Para ambos os juristas, o empregador tem por obrigação observar e praticar o que prega a Lei do coronavírus, que foi publicada em fevereiro deste ano. “Ela prevê todos aqueles cuidados que já conhecemos para evitar a transmissão do coronavírus. Ou seja, basta seguir a receita da lei, fazendo a medição da temperatura das pessoas que entram para trabalhar, a qualquer sintoma da doença encaminhar o colaborador para o sistema de saúde e fazer prova de que tomou esta providência. Manter o afastamento entre as pessoas, obrigar o uso de máscara, disponibilizar álcool gel e toda informação que se faça necessária, a respeito disto”, recomenda o Dr. Melek.

Caso o empregado tenha uma situação de saúde mais grave e não haja um entendimento formal com a empresa com relação ao afastamento ou trabalho remoto, cabe ao funcionário buscar atendimento médico para que seja fornecido um atestado recomendando o afastamento do trabalho. Período que, se estender por mais de 15 dias, deve resultar em encaminhamento ao INSS para pedido de auxílio-doença.

Teletrabalho, doenças ocupacionais e acidente de trabalho

Outra situação que merece destaque, na opinião do advogado, é que a Covid-19, se contraída no ambiente de trabalho, pode ser equiparada a acidente de trabalho. “Possivelmente teremos reclamatórias trabalhistas discutindo isso, com pedidos de indenizações por danos materiais e morais”.

Para ele, o fato torna ainda mais importante documentar as medidas preventivas adotadas (termos, fotos, documentos, recibos etc). “O Ministério do Trabalho e Emprego, por exemplo, tem realizado fiscalizações nas empresas e ter essa documentação preparada pode evitar autuação e multa” aconselha.

Já no caso de acidentes domésticos e demais doenças ocupacionais no âmbito do trabalho remoto, caso ainda sejam mantidos, o juiz Dr. Marlos Melek explica que a lógica é diferente. “É fundamental, conforme determina a lei, que o patrão dê um treinamento de ergonomia,saúde e segurança do trabalho para o colaborador. Isto está na CLT. Quando o colaborador tem este treinamento e por um acaso sofrer algum acidente doméstico ou doença ocupacional, pela letra da lei isto não será considerado acidente de trabalho porque ele está dentro da casa dele e recebeu, por parte da empresa, um treinamento para estes parâmetros”.

Prover treinamento e orientações para o trabalho remoto, portanto, é o cuidado principal para a empresa ficar segura com relação ao teletrabalho, segundo o juíz. Ele também lembra também que todos os benefícios que já existiam, como vale-refeição, seguro saúde e outros devem ser mantidos na modalidade, exceto pelo vale transporte, já que não há mais deslocamento de ida e volta.