Plenário do STF definiu, por 9 x 1, incompatibilidade do pleito com sistema democrático.
Por Germano Assad
O reconhecimento ou não do ‘direito ao esquecimento’ dominou a pauta de discussões do STF (Supremo Tribunal Federal), neste início de fevereiro. O tema é um verdadeiro dilema filosófico debatido por tribunais do mundo todo, e contrapõe direitos fundamentais da democracia, como liberdade de expressão e o direito à privacidade e intimidade. Mas afinal, qual deles é mais importante? Qual deve prevalecer, em detrimento ao outro?
A Dra. Estefânia Maria de Queiroz Barbosa, professora de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná e da Uninter, conceitua o direito ao esquecimento com base no próprio acórdão do plenário: “um direito de obstar[impedir], em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados específicos que possam causar desconforto, inquietação, ou dano moral (ainda que não comprovado) a quem pede o direito ao esquecimento, em meios de comunicação e plataformas de internet”.
O julgamento, que começou na quarta-feira dia 03, rendeu uma semana de debate, e acabou com votação praticamente unânime – somente o ministro Edson Fachin foi favorável ao pedido. Ele endossou o direito à personalidade, ainda que tenha exaltado “a posição de preferência que a liberdade de expressão possui”, em casos como este, de conflito entre os direitos fundamentais em questão.
A manifestação final, do presidente da corte Luiz Fux, selou o resultado. “O direito ao esquecimento não pode reescrever o passado, nem obstaculizar o acesso à memória, ao direito de informação e à liberdade de imprensa. Esse é o estado atual da jurisprudência da Suprema Corte”, cravou no despacho.
O veredicto é de suma importância para o setor de comunicação, já que reafirma o papel da imprensa, ao consolidar decisão em caso de repercussão geral, que gera jurisprudência, como menciona o ministro Fux em sua decisão.
Ou seja, “cria um precedente vinculante para o poder judiciário de um modo geral, em todas as instâncias”, nas palavras da Dra. Estefânia, e passa a servir de referência para decisões futuras de natureza similar.
O que não impede que “excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação sejam analisados caso a caso, com eventual reparação por dano à honra ou imagem, mas sempre ‘a posteriori’”, ainda segundo a professora.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), uma das organizações da sociedade civil convidadas a contribuir com o debate na corte suprema, comemorou o resultado, alegando por meio da advogada Taís Gasparian, que a decisão assegura o direito de continuar registrando a história diária do país.
“O STF mais uma vez demonstrou seu apoio à liberdade de expressão e de informação ao reconhecer que a Constituição Federal não acolhe o direito ao esquecimento. Como afirmou a ministra Carmen Lúcia, o esquecimento, no Brasil, soa como um desaforo jurídico”, alegou a advogada da entidade.
Leniência
A jurista e professora Dra. Estefânia pontua que, a exemplo do caso em questão, o Supremo acumula grande quantidade de ações estagnadas, com 20 anos ou até mais, aguardando decisão. E o que motiva a escolha por um caso específico, por vezes, já esquecido ou mesmo aparentemente fora de contexto?
“Parece-me que o Supremo tem tentado reafirmar dois temas muito atuais e que precisam ser debatidos a partir de casos verídicos, e esta ação oportuniza a exaltação da liberdade de imprensa em um contexto de ataques recorrentes ao livre exercício da atividade jornalística e também a violência contra a mulher, que historicamente apresenta dados alarmantes no Brasil, e que pioraram muito com a pandemia”, opina.
O caso
A discussão voltou à tona no Brasil por conta do recurso extraordinário impetrado pela família de Aída Jacob Curi, jovem assassinada na década de 1950 em um crime que chocou o país. Após tentativa de estupro, ela acabou arremessada de um terraço em Copacabana, no Rio de Janeiro.
Quase meio século depois, o programa policial da Rede Globo de Televisão, o “Linha Direta”, reconstituiu o episódio, insuflando o que a família nominou de “sinistra notoriedade”, no pedido de reparação por “danos ao direito de personalidade”.
Assim como o direito ao esquecimento, a indenização também foi negada pelo plenário, apesar de reconhecida por um número maior de ministros.