98% dos profissionais negros relatam dificuldades em suas carreiras. Para as mulheres negras o cenário é ainda mais excludente, o que dificulta a diversidade da produção jornalística e a construção de narrativas étnico- raciais
Por Fernanda Nardo, com informações da Abraji
O estudo “Perfil Racial da Imprensa Brasileira” mostra que 98% dos jornalistas que se declaram pretos ou pardos no Brasil, demonstram enfrentar mais dificuldades em suas carreiras do que os colegas brancos. A pesquisa, que marca o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, ouviu 1.952 profissionais.
Os dados revelam que, embora a população brasileira seja formada majoritariamente por pessoas negras (56,20%, segundo a PNAD/IBGE de 2019), somente 20,10% dos profissionais de imprensa se autodeclararam pretos ou pardos. A maioria (77,60%) se autodeclarou branca.
Além disso, de acordo com o estudo, dentre as pessoas brancas, 61,8% ocupam cargos gerenciais nas redações. E que os profissionais de imprensa negros são maioria (60,2%) em cargos operacionais, como o de repórter, redator e produtor. Minoria nos veículos de imprensa, jornalistas negros em cargos de gerência são ainda mais raros.
Para o jornalista e professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), José Carlos Fernandes, a pesquisa escancara o atraso da imprensa brasileira no que se refere à implementação de iniciativas que busquem a inclusão racial. “Esses números mostram que a imprensa ainda não venceu a própria cultura interna, que é a crença de que as coisas acontecem naturalmente sem pensar em políticas específicas, políticas corporativas, para realmente mudar esse cenário”.
A pesquisa também mostra que esse cenário se reflete na remuneração. A faixa salarial mais básica, até R$ 3.300,00, predomina entre os profissionais negros (41,7%), segundo o estudo. O percentual é quase o dobro se comparado à proporção relativa dos profissionais brancos (22,9%).
Cenário ainda mais difícil para mulheres negras; o cenário impacta na diversidade da produção
Na terceira fase da pesquisa, em que foram realizadas 202 entrevistas com jornalistas negros, foi possível identificar tipos de ações racistas praticadas, como discriminação pela aparência e assédio racial. O cenário para as mulheres pretas e pardas é bastante delicado – 52,3% das entrevistadas dizem já terem sido vítimas de misoginia e racismo. As mulheres também declararam conviver com situações de assédio sexual e o julgamento de que são incapazes.
“O silenciamento e o machismo, que é uma marca interna das redações, é uma cultura que não se modifica tão rapidamente, precisamos nos educar para esse processo civilizatório que é tão urgente”, afirma Fernandes.
O estudo ainda demonstra que a tentativa de minar a credibilidade das mulheres negras dentro das redações e também a falta delas nos veículos, pode ter um impacto direto sobre a produção jornalística, que já é afetada pela falta de diversidade e inclusão na imprensa.
“A pesquisa sobre o perfil de jornalista brasileiro, de 2012, que está sendo refeita, provavelmente irá corroborar com o dado de que cerca de 60% das mulheres em redações são formadas por mulheres que se autodeclararam brancas, católicas e com uma formação diversificada. É neste cenário que emerge esse grupo de mulheres negras. O que temos que levar em conta é que a mulher negra vai estar atenta às pautas étnico-raciais, a representatividade da mulher negra nas reportagens, trazendo pluralidade e diversidade nas redações”, ressalta o professor.
Confira o estudo completo, AQUI.