Afastamentos, exigência de atestado médico, manutenção ou não de benefícios, eventual controle de jornada ou custos adicionais para o trabalho remoto devem ser acordados entre patrões e empregados.
Por Germano Assad
O Brasil está passando pelo pior momento da pandemia até agora. As taxas de transmissão e contaminação da covid-19 atingiram seu ápice, e estados do sul e sudeste do país estão tomando medidas de contenção e isolamento mais rigorosas a fim de evitar o colapso dos sistemas de saúde, tal qual ocorrido em Manaus, recentemente.
Diante do cenário, com filas de espera por leitos e a impressionante marca de 300 mil óbitos em decorrência da doença – com o pico de três mil em um único dia ao longo desta semana – trabalhadores e patrões tem algo a mais com o que se preocupar, além da própria saúde e dos familiares: a manutenção da boa relação de trabalho.
Para tanto, um princípio abordado de forma recorrente na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na justiça do trabalho nunca foi tão importante, para ambas as partes: a boa fé.
Entre as dúvidas mais frequentes, atualmente, está o processo de afastamento de colaboradores com suspeita de contaminação. Ainda que boa parte das empresas já possua protocolos próprios de cuidados, controle e contingência da doença, decisões como exigência de atestado médico nestes casos, por exemplo, devem ser tomadas com base no bom senso, na confiança entre as partes e diretrizes dos recursos humanos de cada companhia, segundo o juiz federal do trabalho Dr. Marlos Melek.
“É direito do patrão, pedir atestado médico para afastamento. Só que ele vai obrigar o empregado a se dirigir ao serviço de saúde, notadamente em um momento em que o grau de contaminação é muito elevado, especialmente aqui no Paraná, que estamos com uma taxa de contaminação e transmissão do vírus superior a 1,63%, que é a maior taxa do Brasil”, pondera.
O juiz, que acaba de lançar o livro “O Novo normal – nos negócios e para você”, entende que o ideal é criar um mecanismo, por mais simples que seja, onde fique explícito o acordo entre patrão e empregado, ou ainda um pedido simples de comprovação de que algum familiar do colaborador está com a doença, medidas que já seriam suficientes para o afastamento.
“Se a gente partir da premissa da boa fé, que deve formar os contratos de emprego, o empregado informar da situação [que teve contato com alguém contaminado] e que há necessidade de quarentena, havendo confiança e maturidade na relação de emprego não haveria necessidade de atestado médico para afastamento de até 15 dias, tendo em vista que houve um acordo entre patrão e empregado, um acreditou no outro, sabendo que é fato notório e público a necessidade da quarentena”.
Trabalho Remoto
Para situações de trabalho remoto ou teletrabalho já estabelecido entre as partes, o Dr. Melek ressalta a importância da formalização de acordo, já que a medida provisória que regulamentava a modalidade (MP 927/2020) perdeu o efeito.
“Hoje para botar uma pessoa em teletrabalho, a medida provisória que previa essa situação já não vale mais, então tem que haver um acordo, necessariamente, e os valores para a consecução do trabalho em casa como investimento em uma internet mais potente, ou um computador com mais memória ou mais velocidade, enfim, as despesas eventuais que surgirem para o trabalho em casa também devem ser ajustadas neste acordo entre patrão e empregado”.
Membro do comitê de redação da reforma trabalhista, o Dr. Melek cita um trecho adicionado à CLT durante o processo que estipula, ordinariamente, a não incidência de horas extras neste regime de trabalho. “O legislador partiu da premissa que o trabalhador tem o tempo livre em casa e vai realizar as atividades na hora que ele entender melhor, na hora que for mais conveniente pra ele. Então dentro deste contexto não pode haver um controle formal de jornada”, explica.
A CLT não faz distinção entre o home office e o trabalho presencial no sentido de direitos relativos a benefícios. Portanto, o empregador pode cortar auxílio alimentação/refeição, por exemplo, caso este benefício não esteja definido em convenção coletiva, sindicato, ou diretamente com o empregado.
Ainda assim, o recomendado é que se estabeleça um novo contrato de trabalho, claro e acordado entre as partes, para evitar controvérsias em torno da ‘supressão’ de um direito adquirido, que caracterize uma alteração no contrato empregatício prejudicial ao empregado.
No caso do vale-transporte a situação é mais simples. Como na modalidade remota não há deslocamento até o trabalho, a empresa pode suspender o benefício, contanto que garanta ao colaborador o custeio da ida e vinda em deslocamentos esporádicos ou em dias fixos, pré-estabelecidos.