Pesquisa genética pioneira mostra que populações negras de toda a América estão mais propensas à distúrbios alimentares ao ingerir laticínios.
por Amanda Yargas
Um estudo feito por pesquisadores do departamento de genética da UFPR descobriu que pessoas negras têm uma tendência maior à intolerância à lactose. A conclusão foi baseada em um fator genético que altera a persistência da lactase nas populações negras e quilombola das Américas. A lactase é uma enzima essencial para a digestão de laticínios, e a sua persistência permite que o indivíduo consuma leite na vida adulta, o que foi um fator de vantagem evolutiva para populações de hábitos pastoris.
Segundo a coordenadora da pesquisa, professora Marcia Beltrame, essa vantagem evolutiva apareceu em diferentes mutações na África e na Europa.
A pesquisa avaliou os dados genômicos de pessoas negras em todo o continente americano a partir de uma junção de diversos dados de vários grupos de pesquisa e de bancos de dados. Os resultados revelam que a frequência da persistência da lactase entre a população negra é baixa. De acordo com a pesquisadora, isto indica que, provavelmente, não há muita ancestralidade de populações pastoralistas africanas no Brasil. A mutação europeia de persistência da lactase foi encontrada em uma frequência baixa nos brasileiros negros.
A pesquisadora ressalta que esses dados são importantes porque contrastam com as recomendações e a cultura alimentar dos países americanos. Os dados indicam que, nas Américas, apenas algumas populações do Brasil, de Cuba e do Uruguai têm uma proporção elevada de indivíduos que possuem a persistência da lactase. Entretanto, Brasil e Uruguai estão entre os países que mais consomem leite e derivados. A não persistência da lactase associada ao consumo destes produtos está relacionada à indigestão e à má absorção da lactose, que pode ocasionar intolerância à lactose ou outros problemas gastrointestinais, como gases e diarreia.
O estudo é o primeiro a investigar a persistência da lactase em todo o continente americano, com um grande número de indivíduos e com populações diversas, inclusive em uma população quilombola. Pesquisas conduzidas pelo Departamento de Genética da UFPR têm o objetivo de contrapor o viés eurocêntrico da ciência, possibilitando melhores diagnósticos e tratamentos mais eficientes para todas as populações.